A
teoria da evolução, de Darwin, se tornou
uma das pedras fundamentais para a biologia de hoje. Os
biólogos rapidamente aceitaram a ideia da evolução,
mas durante décadas rejeitaram a seleção
natural, que é a estrutura do processo evolucionário.
Durante
a metade do século XX, eles ignoraram a idéia
de seleção sexual, proposta por Darwin.
Ainda discutem sobre a seleção no nível
de grupo, e ela pode tanto operar na esfera grupal como
na individual. Já Darwin, propôs a seleção
grupal – estudiosos diferem em relação
a quê exatamente ele discutia.
Historiadores
observaram várias características das abordagens
de Darwin e apontaram que critérios não-cientificos
funcionavam como bloqueios mentais para os biólogos,
o que dificultou a aceitação das idéias
do naturalista.
Livre pensar
Durante
20 anos Darwin ficou pensando em cada detalhe da sua teoria,
e depois de muito pensar, publicou “A Origem das
Espécies”, em 1859, e após 12 anos,
lançou em livro a teoria que era aplicada ao ser
– humano, “The Descent of man”. Em vez
de fazer objeções sobre a sua nova teoria,
ele refletia sobre ela obsessivamente, até encontrar
uma solução. Exemplo disso eram as plumas
do pavão, que era difícil de ser explicado
pela seleção natural, uma vez que mais parecia
um defeito do que ajuda na sua sobrevivência.
"Sempre que vejo uma pluma no pavão, fico
doente", escreveu Darwin. Porém, de tanto
se preocupar com a questão, ele desenvolveu a ideia
da seleção sexual, de que fêmeas escolhem
machos com os melhores ornamentos, e por isso os machos
mais elegantes dão mais crias.
Alfred
Wallace pensou sobre a seleção natural de
forma independente, mais tarde perdeu a confiança
no poder dessa ideia e recorreu ao espiritualismo para
explicar a mente humana. "Darwin teve a coragem de
enfrentar as implicações do que tinha feito,
mas o pobre do Wallace não conseguiu", conta
William Provine, historiador da Cornell University, uma
vez que Darwin pensava que a seleção natural
não tem algum propósito ou objetivo.
A
evolução darwiniana além de profunda
era também muito ampla, já que se interessava
por tudo que fosse vivo ou não. “Essa visão
bastante abrangente o permitiu enxergar coisas que talvez
os outros não tenham visto”, afirma Robert
J. Richards, historiador da Universidade de Chicago. "Ele
tinha tanta certeza de suas ideias centrais – a
transmutação das espécies e a seleção
natural – que teve de encontrar uma forma de juntar
tudo isso".
Para
quem desconhecia os termos placas tectônicas, genética,
DNA, seus conceitos sobre a seleção natural
e sexual estavam corretos. Sua teoria de seleção
natural em nível grupal foi quase esquecida, mas
hoje encontra quem a defende.
A
moralidade humana também encontrou os pensamentos
do biólogo. Ressuscitada pelo especialista em primatas,
Frans de Waal afirma que “Darwin nunca achou a moralidade
uma invenção nossa, mas um produto da evolução,
uma posição, hoje, com alto crescimento
em popularidade, devido à influência do que
sabemos sobre o comportamento animal", afirma de
Waal. "Na verdade, retornamos à visão
darwiniana original".
Inflamável
Durante
o séc. XIX, os biólogos aceitaram a evolução
porque ela implicava progresso. "A ideia geral de
evolução, particularmente se você
a tomasse como progressiva e propositada, se encaixava
na ideologia da época", diz Peter J. Bowler,
historiador de ciência da Universidade do Queens,
em Belfast. Porém, isso tornou muito mais difícil
aceitar, uma vez que algo tão imprudente pudesse
ser a força da evolução. "A
Origem das Espécies" e sua ideia central foram
ignoradas até a década de 1930. Nessa época,
o geneticista populacional R.A. Fisher e outros, mostraram
que a genética mendeliana era compatível
com a ideia da seleção natural, trabalhando
em pequenas variações.
"Se
você pensar nos 150 anos desde a publicação
de 'Origem das Espécies', a obra passou metade
desse tempo no deserto e metade no centro, e mesmo no
centro ela não foi mais do que marginal”,
diz Helena Cronin, filósofa de ciência da
Escola de Economia de Londres. “Essa é uma
rejeição bastante abrangente a Darwin."
Darwin
ainda está longe de ser totalmente aceito em ciências
fora da biologia. "As pessoas dizem que a seleção
natural é correta para corpos humanos, mas não
quando se trata de cérebros ou comportamento",
diz Cronin. "Porém, fazer uma exceção
para uma espécie é negar a doutrina de Darwin
em compreender todos os seres vivos. Isso inclui quase
o todo dos estudos sociais – e esse é um
corpo de influência considerável que ainda
está rejeitando o darwinismo."
O
desejo de enxergar um propósito na evolução
e a dúvida de que ela realmente se aplique a pessoas
eram dois critérios não-científicos
capazes de levar cientistas a rejeitar a essência
da teoria. Um terceiro, em termos de seleção
em grupo, pode ser a tendência das pessoas de pensar
nelas mesmas como indivíduos, e não como
unidades de um grupo.
"Cada
vez mais, estou começando a pensar sobre o individualismo
como nosso próprio preconceito cultural que explica
mais ou menos por que a seleção em grupo
foi tão fortemente rejeitada e ainda é tão
controversa", diz David Sloan Wilson, biólogo
da Universidade Binghamton.
Darwin
sabia muita coisa, mais do que seus contemporâneos
e mais do que seus sucessores. Com estudo e pensamento
prolongados, foi capaz de compreender como a evolução
funcionou sem ter acesso a todo o conhecimento científico.
Ele teve objetividade para colocar de lado critérios
com a convicção de que a evolução
deveria ter um motivo. No resultado, vimos a profundidade
de estranhos mecanismos evolutivos, uma percepção
ainda não superada, mesmo um século depois
de seu grande trabalho.
Natália Souza/Pick-upau
Da Globo/G1